Faz algum
tempo, mas parece que foi ontem, era o primeiro sábado do outubro de 2010 pela
manhã e a manchete de um dos principais jornais do estado dizia: ‘É o fim da
integralidade para os futuros aposentados’. Era uma chamada que por si só já
tirava o sono, mas a notícia era bem mais perturbadora. Dava conta de um pacote
de maldades para o servidor do município do Rio que era composto ainda pelo fim
da paridade com a ativa e um redutor de 70% nas pensões às famílias.
Resumidamente, as conquistas garantidas em nosso regime próprio, último grande
direito intocado do servidor do Rio e pilar de sustentação para um quadro
estável e qualificado, caía, mas não foi este o final desta história.
Inesquecíveis os
dias que seguiram. O domingo e a segunda foram de intensas articulações entre
as mais diversificadas lideranças, que já caminhavam na via da articulação
contra atos de malfeitos na previdência. Na terça em que seria votado o hoje
famoso projeto de lei complementar, PLC 41/2010, a Câmara Municipal era
servidor que não acabava mais, lideranças de todas as classes se aglomeravam ao
redor de cada parlamentar solicitando explicações sobre tamanho ataque ao
serviço público da cidade, tudo feito sem o menor debate. Numa importante
demonstração de prudência e cautela, o legislativo tirava de pauta o projeto
que nem os próprios parlamentares conheciam.
Seguiu-se o
debate, e a fraqueza da justificativa das medidas era tão grande quanto a
desfaçatez de quem as propunha. Segundo relatos do governo, os cortes seriam
para ‘garantir a saúde financeira’ do regime e só atingiriam os próximos
ingressantes. Esqueceram-se de um importante detalhe, eram conhecidas as
previsões de quebra no curto prazo, cinco ou seis anos, do combalido FUNPREVI
judiado arbitrariamente por sucessivos governos. Ora, se eram medidas apenas
pros próximos ingressantes, seus efeitos financeiros só seriam consideráveis no
longo prazo, após aposentação ou óbito destes ingressantes. Repentinamente o
cheiro de coisa suja tomou nossas narinas. Logo depois, a descoberta: o corte
de direitos no nosso regime era uma imposição do Banco Mundial, esse nosso
velho conhecido que ao lado dos políticos de moralidade duvidosa deste país
promoveram um verdadeiro saque ao patrimônio coletivo do povo brasileiro.
Caído o manto,
inimigo reconhecido, restava a organização para defesa, e foi o que fizeram de
forma exemplar e magistral as lideranças dos servidores do Rio. Estava formado
o MUDSPM – Movimento Unificado em Defesa do Serviço Público Municipal –
constituído por grandes entidades dentre elas a que veicula este artigo,
FASP-RJ.
Daí por diante
os servidores da cidade maravilhosa protagonizaram um momento radiante de sua
história, não houve quem não tivesse ouvido as siglas MUDSPM e PLC-41. Foram
pilhas de panfletos e cartilhas, dezenas de pautas em assembléias de classe,
inúmeros atos públicos, reportagens e programas de rádio e tv ocupando as
consciências com o fundamental debate defesa do serviço público. Repentina e
surpreendentemente, uma demanda geral ganhava primazia sobre as legítimas
questões mais imediatas em quase todas as carreiras, tudo muito bem coordenado
e articulado. Claro que também não acabou por aqui.
Travado em seus
objetivos, reagiu o governo com muito mais força e muito mais empenho. A
prefeitura resolveu encaminhar para votação em urgência um robusto projeto de
lei, o PL 1005/2011. Desta vez era muito bem elaborado, de uma engenharia
financeira, orçamentária e política bem mais complexa que a primeira. Tratava,
segundo seus objetivos declarados, da capitalização do FUNPREVI. Era na verdade
uma mágica, pra ser educado, atuarial. A proposta era sanear o déficit do
FUNPREVI ao mesmo tempo que reduzindo as despesas do Tesouro com o fundo. Como?
Comprometendo, principalmente, os recursos reservados à assistência ao servidor
era a sentença de morte da carta de crédito imobiliário, plano de saúde, dentre
outros benefícios, no médio prazo, entraram também no pacote recursos do
orçamento da educação e da saúde além de royalties ‘vindouros’ do petróleo.
Embora o equacionamento do déficit fosse um desejo de todo servidor, aceitar
ser questionamento uma proposta dessa natureza seria ato de muita ignorância ou
de muita má fé.
Este projeto
era realmente muito valioso para o governo, foi seguramente provocado pelo
fracasso político do PLC-41, mas como era tiro único, tendo em vista o desgaste
na Câmara e a premência do calendário eleitoral, veio recheado de soluções para
outras pendências administrativas da atual gestão municipal, mobilizou muitas
cabeças que precisavam resolver questões como dar ar de legalidade no
investimento mínimo da educação para o recebimento do FUNDEB; anistia de
dívidas, até hoje não totalmente conhecidas, entre a prefeitura e o FUNPREVI; viabilizar
a transferência de parte do patrimônio dos servidores à especulação imobiliária
dentre outras coisas. Foram potentes as investidas do governo em favor deste PL,
as dos servidores, que só queriam debatê-lo suficientemente, também. Seguramente,
foi o período mais tenso para os vereadores da atual legislatura. As atividades
na CMRJ foram travadas em 2011 por, no mínimo, dois meses tentando-se um acordo
sensato. Sem sucesso.
De forma
escandalosa para a democracia no Rio, foi aprovado o PL 1005, exatamente da
maneira proposta pelo governo. Foi uma ode ao autoritarismo que contou com a
truculência da PM para garantir reserva de vaga na galeria da Câmara para uma
ínfima claque governista.
Os verdadeiros
efeitos do PL 1005, hoje lei 5.300/2011, ainda não são conhecidos, mas
seguramente chegam bem rápido. É preciso estar muito atento a isto. No entanto,
os verdadeiros efeitos da mobilização dos servidores, até então desconhecido
pelas novas gerações, estão claramente postos. É bem verdade que não fizemos a
história como a queríamos, apenas passou pela boca o gosto da vitória contra o
PL 1005, mas o Banco Mundial também não a fez, e o PL 1005 foi seguramente o
projeto mais custoso que um governante já pensou ter na cidade, isto não é pouca
coisa. Fundamental é ficar registrado na história e nas consciências que isto
só foi possível graças ao vital desenvolvimento da capacidade de agir juntos e
de forma articulada, sem heroísmos, sem vaidades, sem apelos a falsos deuses e sem
apegos a pequenas diferenças. Se ainda hoje o servidor do Rio tem garantida a
paridade e a integralidade nas aposentadorias e pensões, todos saibam que isto não se deve a ninguém em particular, nem a
qualquer gesto mágico ou transcendente, isto é real e deve-se à mobilização e à
consciência de que somos todos Servidores Públicos do Município do Rio de
Janeiro, sigamos!!!
Conheça o MUDSPM em http://www.mudspm.blogspot.com/
Ulysses Silva é Cientista Social, Presidente da ASPREV-RIO e membro do MUDSPM
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