Explosão dos bombeiros
expõe massacre dos concursados com o projeto de terceirização e privatização do
Estado brasileiro.

A revolta dos bombeiros do Rio de Janeiro,
consagrada pelo maciço apoio da população, com irreversíveis danos à imagem do
governador Sérgio Cabral Filho, é apenas a erupção de um tumor no organismo
estatal, alquebrado por uma investida deliberada que visa ao esvaziamento dos
serviços públicos pela inanição do funcionalismo, sobretudo nos Estados e
municípios, que pagam salários inacreditavelmente miseráveis à maioria do seu
pessoal.
Os bombeiros militares que se amotinaram, conforme
denúncia do ministério público militar, expuseram as veias das instituições
combalidas pela mescla de interesses espúrios corpulentos, que operam
cavilosamente na direção da terceirização dos serviços públicos, dentro das
metas traçadas pelo “Consenso de Washington”, inspirador dos botes
malévolos que escancaram as portas para a mais ampla hegemonia dos grupos
transnacionais sobre a economia brasileira.
Um contracheque dos bombeiros não é diferente dos
profissionais da educação, da saúde e de outras áreas em que os servidores já
vivem a pão e água, sem exagero. A explosão que tingiu a orla de vermelho neste
domingo resultou de meses e anos de clamores não ouvidos, levando os
subalternos de uma corporação agregada em uma vintena de quartéis a costurarem
uma organização de luta precária, mas o suficiente para minar a política
autoritária e maliciosa que mantém milhares de servidores numa penúria
assentida por falta de elos entre si e pela maldita ideologia da busca
individualizada de gratificações pontuais compensatórias.
Sucateamento da saúde e da educação
Desde que o primeiro rábula do Estado Mínimo
passou a dar as cartas, ainda no tempo da ditadura, uma avalanche pedras
afiadas foi solapando o serviço público, a partir das rendosas áreas da saúde e
da educação: foi como resultado dessa ação demolidora de hospitais de
excelência mantidos então pela Previdência que surgiram os planos de saúde,
negócios que hoje faturam R$ 45 bilhões anuais – R$ 15 bilhões em lucros
declarados.
O mal trato das escolas públicas, em todos os
níveis, engendrou milionárias redes de ensino privado, que matriculam quem pode
e quem não pode aguentar o tranco. Nessa área, o negócio é tão rendoso que faz
a festa até no ensino superior, onde a garra e a mobilização permanente dos
corpos docentes mantêm a qualidade da maioria das faculdades estatais.
Mesmo assim, universidades como a PUC, beneficiadas
por todo tipo de isenção, renúncia tributária e subvenções, cobram os olhos da
cara para manter um ensino de qualidade aparente.
Outras, que assumem sua natureza quase cartorial,
registram expansões vertiginosas: só a Estácio têm mais de 220 mil alunos, num
universo de 6 milhões, dos quais, 5 milhões e 400 mil matriculados em escolas
privadas.
A fome com a vontade de comer
A privatização e a terceirização juntam a fome com
a vontade de comer dos corruptos e dos entreguistas. Em paralelo, as empresas
privatizadas e as terceirizadas flanam nas nuvens da revenda e das fusões,
alimentando um mercado especulativo referenciado pela tendência inevitável da formação
de cartéis e monopólios. Em ambos os casos, rolam gordas propinas através das
“consultorias” comandadas geralmente por quem tem acesso aos podres poderes.
Isso apetece à indústria da corrupção por razões
óbvias: desde a Constituição de 1988, o acesso aos cargos públicos só é
permitido por concurso. Já a terceirização e privatização podem acomodar
milhares de apadrinhados e até fantasmas.
No caso dos concursados, o mais que pode acontecer
– e acontece cada vez mais - são as fraudes na seleção, algumas vezes
descobertas, que são praticadas por quadrilhas altamente sofisticadas.
Na contratação terceirizada, há uma farra de
favorecimentos, abrindo amplos espaços para o pagamento de propinas. Na
formulação dos custos se joga com os ingredientes mais gatunos do que nas obras
terceirizadas – isto é, o plus pode ser superior a 100%. Um
terceirizado acaba recebendo menos de 25% do que o contratante paga à empresa
terceirizada.
Esta, por sua vez, também pode ser uma “cooperativa
de mão de obra”, que burla os direitos trabalhistas através do artifício do
trabalhador cotista, que torna seu custo 50% mais baixo. O resultado é que hoje
os dados oficiais indicam a existência de 10 milhões de terceirizados, numa
versão moderna dos antigos “bagrinhos” do Cais do Porto.
O estrangulamento do servidor concursado
Estudo da Organização para a Cooperação do
Desenvolvimento Econômico, publicado em maio de 2010 pelo Ministério do
Planejamento, revela que os 6 milhões de servidores diretos ou autárquicos,
inclusive aposentados e pensionistas, custam 12% do Produto Interno Bruto – PIB.
Já os serviços públicos produzidos pelo setor privado e pagos pelo governo
somam 15%.
Esse mesmo estudo revela que há proporcionalmente
menos funcionários públicos no Brasil (12% do total de empregos no país) do que
nos Estados Unidos, a Meca da economia privada, que tem 15% de sua mão de obra
trabalhando diretamente para o Estado.
A tendência é estrangular o funcionalismo. Para isso, o pagamento de baixos salários cai como luva. Nesse caso,
as disparidades regionais não refletem as disponibilidades dos seus tesouros. O
Estado do Rio, que paga os piores salários aos bombeiros é o segundo do país em
arrecadação e ainda recebe uma baba em royalties do petróleo.
O Conselho Nacional dos Secretários de
Administração, divulgou em maio passado tabelas inacreditáveis: o menor salário
de um enfermeiro no Sudeste é R$ 542,42; já no Centro-Oeste, que inclui a
capital federal, o vencimento desse mesmo enfermeiro é de R$ 2500,00.
De acordo com a pesquisa, é no Centro-Oeste que os
médicos do serviço público estadual recebem a menor e maior remuneração do país
para uma carga horária de 20 horas semanais - R$ 497,38 e R$ 22.922,48
respectivamente.
A disparidade é mais gritante ainda se
considerarmos os três entes da administração. Se em alguns cargos os servidores
federais percebem vencimentos compatíveis, nos Estados e, mais gravemente nos
municípios, oferecem remunerações humilhantes: um profissional de nível
superior da Secretaria Municipal de Assistência Social do Rio de Janeiro ganha
como básico – o que vai contar para a aposentadoria – pouco mais de R$ 600,00.
Se os bombeiros fluminenses mostram claramente a
diferença entre seus salários e os de outros Estados, os guardas municipais da
Prefeitura do Rio teriam motivos para maior amargura se compararem os seus
vencimentos básicos de R$ 630,76 com o dos seus colegas de São José do Rio
Preto, em São Paulo, que paga a um GM de início de carreira (3ª classe)
1.529,13, mais gratificação adicional.
No caso do Estado do Rio, por muitos anos houve
congelamento dos salários dos servidores, aumentando ainda mais sua defasagem,
e foram extintos benefícios como a incorporação de gratificação, após 10 anos.
Finalmente, por hoje, lembro que os servidores do
Executivo ganham um terço dos seus colegas do Legislativo, do Judiciário e das
grandes estatais. Essas diferenças decorrem da capacidade de mobilização
corporativa, de injunções políticas e, no caso das empresas, da própria pressão
do mercado.
Uma radiografia da situação dos funcionários
públicos no Brasil mostrará que está em curso um processo de transferência
acelerada de serviços do Poder Executivo para entidades privadas (as mais
recentes novidades são as “organizações sociais”) e de transformação dos atuais
servidores em dejetos funcionais, sina que só não atinge as chamadas carreiras
de Estado, especialmente na área do Ministério da Fazenda e a Polícia Federal.
Fonte:
publicado em http://www.porfiriolivre.info/2011/06/servidores-publicos-o-ultimo-sair.html,
no dia 13 de junho de 2011 por Pedro Porfírio.